you're familiar like my mirror years ago;

A cachoeira não era o melhor lugar para filhos de Zeus, nenhum lugar com água era, talvez por isso que Ivanka gostasse tanto do local, o sol, as árvores, o barulho da água caindo com força como se estivesse a julgando e avisando-a que deveria se manter afastada. Tudo aquilo a divertia. Era incomum, incomum aos olhos alheios, peculiar, ela gostava de ser peculiar, afinal sua aparência era a mais normal possível, loira, olhos claros, pele branca demais, ela era como toda outra filha do todo poderoso Zeus, eram suas ações que precisavam diferenciá-la e ela gostava de ser diferente de seus irmãos arrogantes e cheios de si que juravam que nascerem de um deus que sentava em um trono os tornava diferente, especial, melhor. Pelo menos ela sabia que todos -a incluindo - eram apenas mais um fruto de indiscrição, filhos da puta que foram abandonados a própria sorte enquanto lutavam por suas vidas. Ivanka nem tinha tido a sorte de conhecer a mãe já que esta tinha a jogado no lixo - literalmente - assim que nascera, por sorte Ivanka foi achada por um casal e criada com todo amor e carinho que estes poderiam lhe dar, mas eles eram diferentes e por isso ela tentava ser diferente o tempo tudo com tudo que fazia.

Talvez por isso gostasse da companhia de Visarion, ele tinha um nome estranho, uma aparência que o diferia dos outros garotos e definitivamente qualquer um que tivesse cuidado suficiente para encapar seus livros com plástico merecia seu tempo e atenção, ainda que a maioria das vezes em que estava junto do garoto o silêncio prevalecia, não um silêncio incomodo que cresce nos envolvidos como uma maldição, mas sim um envolvente silêncio do qual ela apreciava e se beneficiava tanto quanto se beneficiava do pirulito sabor cereja que era girado em sua boca. Um sorriso travesso estava estampado em seu rosto, como se tudo aquilo fosse muito divertido, o sol, a água, o barulho, as árvores, Visarion e seu livro plastificado, tudo no conjunto parecia ser só mais uma diversão para a cria de Zeus, uma que ela estava aproveitando.

A quebra do silêncio fez com que uma das sobrancelhas fosse levantada, um dos dedos abaixou um pouco os óculos escuros em forma de coração, enquanto apoiava-se em um dos cotovelos. — O que? Sim, o tempo todo, mas lá fora é perigoso. — A última parte foi dita de forma divertida enquanto se aproximava um pouco e então ria voltando a se deitar na toalha que havia estendido, os óculos sendo ajeitados ao voltar a tomar sol. — Você tem que aprender a ter filtro, só ouvir o que quer ouvir, focar na água, nos pássaros...Não, nos pássaros não, eles são uma bosta para se ouvir, mas você pode colocar fones de ouvido. — Deu de ombros antes de finalmente suspirar se sentando na toalha alcançando sua blusa para então colocá-la novamente. — Por que está pensando nisso? Alguma coisa em particular anda te irritando no acampamento? — Ainda que a curiosidade falasse mais alto uma pontada de preocupação entoava na voz da loira, era estranho para ela, mas ela achava que realmente ficaria arrasada se tivesse que aguentar aquele acampamento sem ter alguém a seu lado, sem ter ele especificamente já que de alguma forma Visarion havia se tornado uma parte importante de seus dias. — Levante, eu vou te levar a um lugar aonde pode ler sem nenhuma interrupção. — Assim que se colocou de pé uma mão foi estendida a Visarion com um sorriso leve.

Um sorriso brincou nos lábios de Ivanka, um daqueles que você só vê uma ou duas vezes na vida, o tipo que significa problema. Não que ela tivesse culpa disso, fora o jeito que a projetaram que a criaram, era parte de si sorrir como se fosse um maldito problema ambulante. — Bem, eu tenho muitos fetiches, não quer dizer que não tenha medo de alguns. — Piscou antes de suspirar balançando a cabeça tornando o semblante pensativo por um momento. — Eu gosto do perigo, mas eu gosto de estar viva. Então, ir lá fora sozinha? É colocar um alvo na minha testa e eu não estou com vontade. — Os olhos foram fechados com calma, as palavras de Visarion afundando em si com calma, sendo absorvidas como vitaminas essenciais para o funcionamento de seu organismo. O palito do pirulito foi colocado no bolso, ela poderia jogar no chão, mas abominava a ideia de sujar o local, assim como não gostava de desorganizar seu quarto ou qualquer espaço que fosse considerado seu, então era melhor levar seu lixo consigo até avisar alguma lixeira ou voltar a seu ninho. Os olhos foram apontados para Visarion enquanto o rosto se contorcia em uma expressão pensativa, alguns minutos se passaram até que a loira suspirou finalmente se vendo em posição de dar uma resposta. — Não é estranho, é até compreensível que você seja o primeiro a sentir a mudança no ar. As outras pessoas elas...Elas são tão centradas em si mesmas e no que estão sentido que as vezes elas acham que o mundo é arco íris e que elas cagam unicórnios. — Uma das mãos tocou levemente o ombro de Visarion e um sorriso, desta vez realmente sem malícia, foi oferecido. — Bem, então vamos nos preparar, ok? E vamos nos certificar de que quando a merda toda explodir, eu e você vamos estar no topo da colina...Fechado? — O mindinho foi oferecido para que Visarion entrelaçasse o dele com o dela.

Agora que Visarion havia trazido o problema a superfície as coisas ao redor de Ivanka pareciam aos poucos se tornarem um pouco mais claras, como se seus sentidos de preocupação tivessem sido disparados no momento em que o garoto tinha deixado suas palavras se tornarem realidade no ar. Não era como uma grande revelação, como se agora tudo mudaria e ela seria transportada para um lugar aonde sabia de tudo que se passava na mente alheia, não, era como se agora que sabia que Visarion se preocupava com algo ela precisava se preocupar com ele para que as preocupações dele não o sobrecarregassem. Sua mente dizia que ele não era sua responsabilidade, não formalmente, mas então ela olhava para ele e Visarion parecia tão calmo e tão puro, não importava as coisas que ele dizia ou fazia ou já havia feito, ele ainda tinha uma certeza pureza quanto ao mundo, uma que Ivanka havia perdido há muito e ela sentia como se fosse responsável por mantê-lo daquela forma.

A expressão usual voltou a seu rosto enquanto o levantava se aproximando do garoto. — I'm not but gentle, sweetheart— O tom de voz usado era sensual, mas a expressão mostrava que estava mais uma vez brincando com suas palavras e em como conseguia moldar o tom e rosto para o que quisesse a hora que quisesse. Os dedos foram entrelaçados nos de Visarion, por um momento seus pensamentos vagaram para quando havia ganhado esse privilégio, para quando finalmente se sentiu confortável o bastante para se referir ao outro como seu namorado e fazer questão de deixar claro isso com gestos, ela não lembrava exatamente o ponto, mas sabia que havia sido uma das melhores decisões de sua vida. — E por que eu faria isso? Se eu te matasse não poderia aproveitar mais vezes e isso seria trágico. — Sorriu enquanto caminhava o levando para longe da cachoeira e para longe dos chalés, para uma parte da floresta, uma clareira que os campistas não gostavam de se aventurar, mas Ivanka gostava dali e os seres da floresta gostavam de Ivanka, todo mundo gostava de Ivanka. — Bonito, não é? — Os olhos vagaram pelo local por um segundo antes de estender novamente a toalha se sentando com perna de índio e batendo na coxa. — Venha, deita a cabeça aqui e leia mais um pouco, sei que quer terminar seu precioso capítulo. —